LEONOR E JOSÉ IS OUT IN PORTUGUESE, MINOTAURO (ALMEDINA GROUP) - GRÉMIO LITERÁRIO, LISBON, OCTOBER 3, 2024
October 3, 2024
Grémio Literário, Lisboa, em 3 de Outubro, 2024.
A Sedução da Escrita por Julieta Almeida Rodrigues
Estimados amigos e colegas nesta mesa e nesta sala, os meus maiores agradecimentos pela vossa presença aqui hoje.
Ao Professor Doutor José Luís Cardoso, meu antigo colega do Instituto Superior de Economia e Gestão;
Ao Professor Doutor Guilherme d'Oliveira Martins;
A Sara Gomes, da Minotauro, Edições Almedina, com quem muito bem trabalhei ao longo de todos estes meses;
À Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, que patrocinou a tradução de Eleonora and Joseph para português, com o título Leonor e José;
A todos os presentes, incluindo a minha sobrinha Mafalda e o meu filho Julian.
Esta sessão de hoje no Grémio Literário foi promovida pelo Sr. Embaixador João Diogo Nunes Barata – membro do Conselho Literário desta Instituição – que faleceu em Paris na passada sexta-feira, dia 27 de Setembro.
Conheci o Sr. Embaixador Nunes Barata em Roma, aqui há muitos anos. Foi um grande diplomata e um grande anfitrião.
Foi também um grande amigo, que me deixa uma saudade imensa.
Dedico estas minhas palavras de hoje à sua memória.
O Professor José Luís Cardoso teve a amabilidade de falar sobre o conteúdo de Leonor e José.
Eu vou falar do porquê deste livro. Como tratei o tema como romancista. E o que me seduziu nesta escrita.
Ao escrever eu não estou a trabalhar, estou a deambular por um conjunto de ideias, que eu gostaria de pôr em ordem. Como um sonho, como um puzzle, que tenho que ordenar na minha mente. Ao conseguir fazer isto, poderei então melhor explicitar o assunto para o leitor.
Todos os escritores aqui presentes, sabem bem que assim é!
Estou a contar uma história que tem começo, meio e fim. O romancista é um story teller, um contador de histórias.
Muitos autores dizem, e eu concordo, são os temas que nos escolhem, não somos nós que escolhemos os temas.
Sempre tive um enorme interesse, quase doentio, pela relação entre biografia, memória e narrativa.
E considero o Século XVIII como um dos mais interessantes da história da humanidade, devido aos acontecimentos referents às revoluções Americas (1776) e Francesa (1789).
E, assim, ao estudar o Iluminismo, vieram-me à ideia duas personagens fascinantes de origem portuguesa: Leonor Fonseca Pimentel e o Abade José Correia da Serra.
A primeira que me surge na mente é o Abade Correia da Serra pois, ao conversar com o Sr. Embaixador João de Vallera em Washington, DC – estávamos no seu gabinete – eu deparo-me com um retrato deste senhor, com um sorriso que era tão enigmático como a Gioconda de Leonardo da Vinci.
Registrei o sorriso deste padre, botânico, diplomata… e passei à frente, a vida continua!
Uns anos mais tarde, estou a passear no quarteirão espanhol em Nápoles - estava uma manhã de sol radiante como só Nápoles tem - e deparo-me com uma escola que tem o nome de Eleonora Fonseca Pimentel.
Quem será esta senhora, pensei, nunca ouvi falar nela. Mas o nome é português, não é italiano!
Outro registo, outro nome na minha mente. E sempre o pano de fundo do Século XVIII, o século em que estas pessoas viveram.
E, de um dia para o outro, estas pessoas tornam-se personagens no meu espírito. Eureka! Ou seja, estas figuras humanas, com vida própria, fazem agora parte do meu imaginário. Estão a deambular na minha mente, daqui para ali.
Tenho já duas personagens e duas nações: o Reino de Portugal e do Brasil (unidos na altura), e o Reino de Nápoles. Tenho, portanto, o contexto em que estas personagens se inserem.
E começo então a pensar: que prazer. Tenho duas personagens em dois países que conheço bem!
Mas eu queria acrescentar uma terceira personagem e uma terceira nação. Isto é tão simples como eu gostar mais do número três do que do número dois. E é aqui que me surge Thomas Jefferson e Monticello.
Tinha visitado a plantação no estado da Virginia (perto de Charlottesville) no passado, tinha lá estado já por duas vezes. A plantação tem um quarto dedicado ao Abade Correia da Serra. E começo então a lembrar-me da correspondência que existia entre o Abade e Thomas Jefferson. E é assim que me surge a terceira personagem do romance.
E surge, também, a terceira nação à qual me sinto muito ligada. No Século XVIII, as recém-independentes colónias americanas.
Não me faltava nada senão começar a escrever. E foram cinco anos da minha vida!
Surge-me agora aqui a maior dificuldade: a organização do material que, entretanto, tinha acumulado. Tinha centenas de páginas!
No entanto, havia uma discrepância temporal, um problema de datas. Queria falar no papel revolucionário de Leonor na revolução napolitana de 1799. Mas a correspondência e as visitas do Abade Correia da Serra a Monticello começam em 1813 (e prolongam-se até 1820).
Resolvi, então, organizar o romance em torno do que se chama no mundo Anglo-Saxónico, a dual narrative, uma narrativa dupla/dual. Estava a entrelaçar três vidas, três biografias, falando ora de uma personagem, Leonor, relatando o seu diário. Ou, então, referindo duas personagens em diálogo: o Abade Correia da Serra e Thomas Jefferson.
E surge-nos, assim, a questão do que é a Ficção Histórica. Na sua definição mais simples, é a ficção que se encarrega do passado. A ficção que trata de assuntos que ocorreram há mais de 50 anos (claro, um número arbitrário). O autor usa investigação, não usa a sua experiência pessoal. E, em principio, a narrativa reflete um determinado período histórico, o qual é identificável.
E o passado histórico aparece também, assim, como uma fonte principal de inspiração.
Foi isso que fiz em Leonor e José.
E o campo privilegiado da narrativa é o domínio das emoções entre os diversos protagonistas. Ou seja, o relato da sua experiência humana.
Foi também isso que fiz em Leonor e José.
No que diz respeito à narrativa de uma biografia referente ao passado, temos agora três questões:
a. Os factos. Por exemplo o dia em que Leonor nasceu;
b. A interpretação desses factos. Por exemplo, porque é que Correia da Serra abandona Paris e parte para a América;
c. Temos ainda - com a mesma ou com uma importância maior - o que não sabemos dessas vidas.
Esta parte é complexa à medida que se vai avançando na narrativa. E não posso deixar aqui de referir o apoio que tive na investigação histórica a que procedi. Pois este apoio foi da maior importância para o rigor histórico que pretendi dar ao romance.
Tive aqui o privilégio de contar com o apoio do Professor José Luis Cardoso e também do Professor José Barreto.
Pois é preciso saber escolher, concomitante e criteriosamente, entre veracidade e plausibilidade dos factos.
Na nota à edição portuguesa, menciono o romance de ficção histórica de Barbara Chase-Ribaut, Sally Hemings, escrito em 1979. O enredo é sobre a paternidade de Jefferson em relação aos filhos de Sally Hemings. E na trama narrativa, o livro demonstra a enorme probabilidade de os filhos de Hemings serem também de Thomas Jefferson. O que o DNA do filhos mais velho, anos mais tarde, vem a confirmar.
Ou seja, constrói-se um enredo com dois pilares:
a. O que se sabe das diversas fontes existentes;
b. Aquilo que não se sabe e se inventa, se cria, como plausível. Portanto, aquilo que poderá ter acontecido.
Neste segundo aspecto - o papel da imaginação, que é fundamental num romance - eu queria mostrar o desenrolar destas três personagens ao longo do tempo.
a. Como Leonor se torna cada vez mais revolucionária;
b. Como o Abade Correia da Serra se torna cada vez mais conservador;
c. Como Jefferson, no domínio privado, se comporta como uma esfinge, e esconde de todos os seus segredos mais íntimos.
Foi isso que fiz neste romance, foi o que tentei fazer!
Queria agora passar ao domínio e ao sentido da palavra, aquilo que compõe um romance.
Na linha da literatura Anglo-Saxónica, eu aprecio uma literatura baseada em ideias. Não gosto de uma literatura nem palavrosa, nem rebuscada.
A última palavra sobre este assunto é de Goethe que diz, na tradução inglesa: "When ideas fail, words come in handy!" Ou seja, "Quando falham as ideias, as palavras dão muito jeito!"
A literatura acessível é como uma cultura acessível. E ambas são, na minha opinião, um ideal democrático.
Eu escrevo para compreender melhor determinados assuntos referentes ao Século XVIII - e ao Iluminismo - e a romancista em mim acaba por se compreender melhor a si própria!
É esta a grande sedução, a grande benesse, a grande dádiva que a escrita tem, hoje em dia, para mim.
Muito e muito obrigada!